DO AMOR E SEUS DESTINOS 1
Amar dá trabalho...
É sobre o amor e sua importância na fundação do psiquismo humano que vou buscar explicitar, e também implicar, nos implicar...
Podemos ver quão potente se tornou ao sujeito contemporâneo o imaginário em torno do amor romântico. Aqui, vou buscar ressaltar as condições culturais e históricas que constituíram a apreensão contemporânea do ideal do amor romântico e seu valor no campo de ideais do sujeito.
Quando aponto condições culturais e históricas da vivência do amor, busco marcar a existência de certas concepções essencialistas do amor, que o concebem como algo cuja vivência e importância psíquica e social seriam invariáveis e iguais a si mesmas. A História, a Antropologia Cultural, a Filosofia, a Literatura e a Psicanálise, para ficar por aqui, mostram que o amor e seu papel na subjetividade humana variaram imensamente ao longo da história.
Para fazermos um paralelo rápido, imaginemo-nos dizendo a um homem livre na polis grega 2.500 anos atrás, que a grande experiência de êxtase atingível seria a recomendada pelos poetas românticos do século 19, de que morrer pelo amor a uma mulher tem um quê do inefável prazer da fumaça que sai do cachimbo...Ele certamente rolaria de rir, nos dizendo que as mulheres, os escravos e os animais pertencem à ordem da necessidade e não à ordem da liberdade à qual ele pertence. Na Grécia, a ética pederasta era o auge da apreensão subjetiva do amor pelos homens livres.
Apenas uma comparação histórica rápida para dar uma idéia do que procuro mostrar. Em outras oportunidades, espero poder olhar de forma mais acurada para a especificidade das vivências amorosas ao longo de determinadas épocas históricas. Por hoje, esta comparação é suficiente para nos instigar a pensar em torno de quais condições o amor passou a ter a importância psíquica que tem hoje e qual é ela.
Como podemos circunscrever esta importância?
No projeto de uma série de conferências que promovo há um ano, chamado “Senso e Contra Senso da Revolta”, venho apresentando o fenômeno do rebaixamento do valor dos ideais na contemporaneidade, me referindo à perda do conjunto de investimentos afetivos em ideais que, no processo de sua construção, possam oferecer possibilidades de novos sentidos para a vida. Levanto a hipótese - e vou buscar mostrar aqui em outros artigos as mediações – que tal rebaixamento vem sendo há tempos concomitante a uma substituição que podemos colocar sob a expressão: “Não sonhe nada! Nós sonhamos por você. Seu sonho está pronto, aqui, neste objeto de consumo que te oferecemos”.
Parece que fomos sendo paulatinamente convencidos a substituir a árdua e grande tarefa de constituir e sustentar nossas relações com um campo de ideais pelo apelo ao pronto do objeto de consumo. O objeto aparece assim como garantindo minha pertinência frente ao olhar do outro, olhar que estrutura a relação que tenho comigo mesmo.
Se tomarmos o conteúdo dessa diretiva acima e levando em conta o que nos ensina a psicanálise, no que tange à importância fundacional da relação com o outro e seu olhar no processo de constituição da subjetividade, podemos perceber algo do paradoxo moderno na relação dos sujeitos com o ideal do amor romântico:
“Quero muito amar, parece a redenção para mim, já que mostra ser o único ideal em que tenho que me implicar sem comprar, que o consumo já não cumpre sua promessa, mas será que consigo sendo que no amor o outro precisa existir, também no seu potencial de me fazer sofrer. Quero café descafeinado, chocolate laxante, amor sem sofrimento. Em que balcão está?”